terça-feira, 30 de outubro de 2007

Crónica 5

Estive quase a escrever um post sobre o meu mais recente projecto cinematográfico cuja acção decorre na secção de higiene íntima ("toda a higiene é íntima", Céline) do Carrefour de Telheiras ("Carrefour de Telheiras"). O guião tem um toque lynchiano porque, num ápice, a acção desloca-se para o Lidl do Montijo, onde um gerente anão comanda uma equipa de romenos ilegais, berrando prussianamente do alto de uma caixa de cerveja. No entanto, e por uma questão ética e de preguiça, tive por bem reproduzir a minha última crónica para a Atlântico:
Façam filhos! Façam muitos filhos!

Nos dias de hoje, não percebo as razões que levam um casal a ter uma quantidade medieval de filhos. Será que planeiam invadir Espanha? Querem o estatuto de freguesia do interior? Acreditam mesmo que a nossa missão é povoar o mundo? E se acreditam, será que o exemplo do Seixal não os desencoraja? Confesso que, de acordo com os parâmetros das famílias numerosas, eu não passo de um mísero desperdiçador de esperma. Casado há quatro anos tenho um único filho. É por sujeitos como eu que o Ocidente está ameaçado pela pujança reprodutiva dos muçulmanos, dos asiáticos, dos africanos e de toda essa gente que encontra inspiração no poderoso afrodisíaco que é a mistura entre crenças religiosas e preocupações demográficas. Todos nós, em nome do Modelo Social Europeu, da sobrevivência da Segurança Social e dos valores judaico-cristãos deveríamos procriar ferozmente. Toda aquela conversa que ouvíamos sobre explosão demográfica é para esquecer. O mundo aguenta com mais uns portugueses em cima. Entre discussões e pedidos de empréstimo por telefone teremos de encontrar tempo para salvar o planeta. Não há nada de primitivo nesta missão. É um projecto racional. Contra o malthusianismo, contra o modelo burguês de família pós-pílula, por uma família de proporções bíblicas, por uma família que seja mais do que uma família, por uma família que seja um clã. Contras? Está socialmente provado que dois filhos são perfeitamente capazes de arranjar problemas com as partilhas. Até um pode ser suficiente, desde que seja esquizofrénico. Para quê fazer mais? Ainda pior: ter muitos filhos começa a ser uma espécie de novo novo-riquismo social. Em vez de casacos de peles e carros amarelos, muitos filhos e com muitos nomes e ainda mais apelidos. Dois filhos, o casalinho, é o pesadelo suburbano que qualquer pessoa de bem quer evitar. Por isso temo bem que estes não sejam os melhores tempos para os esbanjadores de sémen, descendentes (?) de Onan. Chegará o dia em que o governo do Engenheiro Sócrates deportará os casais com dois filhos para a Arrentela. Comboios do Metro Sul do Tejo a abarrotar (finalmente) de funcionários públicos agarrados às suas Tatianas Carinas e aos seus Brunos Renatos. Acreditem que nenhum interesse obscuro me move contra as famílias numerosas. Acontece que sofro de uma reacção alérgica à própria expressão. Eu tolero famílias numerosas desde que os seus membros estejam harmoniosamente distribuídos pelo continente, ilhas e comunidades emigrantes. Mas em regime de coabitação, “família numerosa“ lembra-me “Feios, Porcos e Maus”, ajustes de contas entre mafiosos, dezenas de indivíduos de etnia cigana à porta das urgências do Santa Maria, ou seja, promiscuidade, crime e agressões a auxiliares médicos. Ah, que se lixe o Modelo Social Europeu!
(crónica publicada na Revista Atlântico nº tal e gentilmente editada pelo autor para o blog Pop Arte Bar by Bruno Vieira Amaral)